sexta-feira, 30 de abril de 2010

REFLEXÕES ACERCA DA PROPOSTA DE "SUCUMBÊNCIA RECURSAL"


Recentemente foi noticiada pela imprensa escrita e por sítios especializados a apresentação, pela associação dos Magistrados do Brasil – AMB, ao ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça – STJ, de proposta, encaminhada à comissão do Senado que elabora o anteprojeto do Código de Processo Civil, acerca do que se denominou “sucumbência recursal”. Segundo as notícias veiculadas, terão os juízes autonomia para fixar multas, similar à prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil (CPC), a serem pagas pela parte recorrente, nos casos da utilização dos instrumentos processuais (recursos) com o objetivo único de retardar a finalização do processo judicial. Desconhecemos a íntegra da proposta, no entanto, nos chama a atenção a sugestão de atribuição de pena pecuniária não pela realização de um ato ilícito, mas sim pelo exercício de um direito, qual seja o direito constitucional de recorrer, expressamente consagrado na Carta do Império, de 1824, e implicitamente em todas as suas sucessoras.
O inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 é uma demonstração clara da garantia absoluta ao duplo grau de jurisdição: “LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. A ele se somam os dispositivos que conferem aos tribunais sua competência recursal (v. g. artigos 102, II e III e 105, II e III, todos da Constituição Federal).
Por outro lado, também nos causa estranheza que, segundo as informações veiculadas, a malsinada multa será fixada quando e se o recurso for improvido, o que representa dizer que, se apresentado com o objetivo da parte ganhar tempo até que o mesmo seja apreciado, seu intento será, pois, alcançado, na medida em que a solução jurídica esperada deverá e continuará aguardando o processamento e julgamento do apelo. Em uma situação hipotética em que a parte recorrente, que tem ciência de não ter o direito que defende e, portanto, será derrotada, apresenta um recurso inconsistente, com o fim exclusivo de prorrogar a discussão pelo período necessário para deixar sua riqueza inalcançável à parte contrária, a mesma terá êxito nesta empreitada, e a multa não surtirá qualquer efeito punitivo, pois encontrará o recorrente com seu patrimônio já esvaziado.
Ao que nos parece, o vigente Código de Processo Civil e a legislação correlata já trazem em seu bojo os instrumentos necessários às partes e ao juiz para inviabilizar a apresentação de resistências inconsistentes ou que as mesmas alcancem seus efeitos, sem retirar, através de punição, o direito de recorrer.
O primeiro deles já se apresenta no início do codex processual, mais precisamente em seu artigo 18, nos seguintes termos: “O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou“. E veja-se que o próprio Código, cuja proposta de mudança se apresenta, em seu artigo 17, VI e VII, condena os atos processuais protelatórios, caracterizando-os como litigância de má fé (“provocar incidentes manifestamente infundados; interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório”).
Assim, atribuir nova pena, além da condenação já exigida pelo artigo 18 – multa somada à indenização – representa um bis in idem desnecessário e excessivo, pois a indenização equilibra os prejuízos da parte contrária e anula qualquer vantagem que a resistência inconveniente possa acarretar.
Na sequência, a lei processual determina a condenação da parte vencida no pagamento das despesas antecipadas e nos honorários advocatícios (artigo 20), cuja fixação leva em conta, além de outras considerações, o grau de zelo profissional e o tempo exigido para a realização do serviço advocatício prestado (alíneas a e c, do § 3º do artigo 20). Assim, quanto maior for o trabalho que a parte que pretende postergar a definição do resultado processual negativo exigir do profissional que defende o direito da parte adversa, maior será o custo a ser arcado quando da condenação final. Novamente estamos diante de outra hipótese legal que, quando aplicada aos recursos inoportunos, provocam os mesmos ou melhores resultados que os pretendidos pela sucumbência recursal.
Outro dos meios processuais que cerceiam a iniciativa de resistências inconsistentes são os efeitos que a lei atribui aos recursos apresentados: devolutivo, que entrega o conhecimento de toda a matéria impugnada para a instância a que se recorre, e o suspensivo, que deixa pendente a eficácia do ato decisório recorrido até futura apreciação do apelo.
O recebimento do recurso de apelação somente no seu efeito devolutivo é exceção e somente pode se dar nos casos expressos no artigo 520 do CPC. Entretanto, o inverso se dá nos casos dos demais recursos, como o Agravo de instrumento (artigos 527, II. e 558), onde a atribuição do efeito suspensivo é restrita, a ser observada de acordo com a avaliação da autoridade judiciária acerca da preexistência de determinados e específicos requisitos.
O mesmo se dá com os recursos extraordinário e especial, dirigidos respectivamente ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, recebidos unicamente no efeito devolutivo (§ 2º do artigo 542) e, via de consequência, facultando a parte, até então vencedora, executar provisoriamente a decisão recorrida (artigo 497). Assim, eventual apresentação destes recursos somente surtirá conseqüência protelatória, que se pretende evitar com a multa proposta, se, e somente se, o tribunal, em uma situação paradoxal, vier a atribuir aos recursos o excepcional efeito suspensivo. Trata-se de decisões que não podem coexistir, pois a concessão do efeito suspensivo deve partir do pressuposto necessário de que existe uma possibilidade mínima do recurso ser provido, e, em havendo esta probabilidade, o mesmo não pode ser inoportuno.
Por fim, não podemos nos esquecer que a lei processual prevê “recursos” que não são oferecidos pelas partes, mas sim pela própria autoridade judicial julgadora, os denominados recursos de ofício, imperativos nas situações em que, nos termos da lei (art. 475 do CPC), o duplo grau de jurisdição é obrigatório, com destaque para os casos em que as decisões de primeira instância forem proferidas contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município e suas respectivas autarquias e fundações de direito público. Neste caso, independente da possibilidade da sentença proferida vir a ser ou não reformada em instancia superior, o recurso ex oficio não pode ser considerado como resistência inconsistente, pois não apresentado pela parte beneficiada pela demora na solução da lide. Neste ponto, as partes já iniciam a relação processual em situação de desigualdade, na medida em que uma delas se favorecerá do recurso de ofício, mesmo no caso de conhecimento notório de que o próprio é inócuo, enquanto a outra, em idêntica situação, não poderá, sob pena de ser multada, apresentar seu voluntário apelo.
Bem se vê que, a par da iniciativa necessária e bem vinda, toda proposta de alteração na legislação processual, em particular aquelas com o objetivo de permitir uma Justiça brasileira célere e eficiente, exige uma análise prévia e vigilante, com a participação de toda a comunidade jurídica, não só com objetivo de garantir a prevalência de direitos e garantias fundamentais, ainda que em prejuízo da presteza jurisdicional, mas também para afastar a ilusão de que a solução do problema de lentidão e volume de processos que contagia o Poder Judiciário está, de forma isolada, na criação ou na quantidade de regras jurídicas. Conselheiro do MDA e Membro da Comissão de Assuntos Tributários. Por Edison Aurélio Corazza: Sócio da CMA Advogados; Advogado Graduado, Mestre e Doutorando pela PUC/SP; Conselheiro e membro da Comissão de Assuntos Tributáriosdo Movimento de Defesa da Advocacia - MDA;Diretor do Instituto de Pesquisa Tributárias - IPT; Professor no Curso de Especialização em Direito Tributário - Uma Visão Constitucional - PUC/SP.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

DISTRIBUIÇAO DESPROPORCIONAL DE LUCROS

O art. 1007 do Código Civil em vigor refere que os sócios participam dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, salvo estipulação em contrário. Portanto, não se revela nula a cláusula contratual que permite a distribuição dos lucros desproporcional às quotas estabelecidas no contrato social, sendo permitido aos sócios convencionarem a respeito da forma da distribuição dos lucros.
Assim, pode-se licitamente contratar a "incorrespondência" entre os percentuais referentes à participação no capital social e nos lucros. Os sócios podem convencionar, por exemplo, que os lucros serão distribuídos de acordo com a receita proporcionada pelos negócios viabilizados por cada um, independentemente da contribuição para o capital social. Essa desproporção é incomum no comércio, em geral, mas frequente no setor de prestação de serviços profissionais.
A Receita Federal, inlcusive, admite a distribuiçao desproporcional de lucros sem incidência do imposto de renda, passível de comprovação por meio de ata de quotistas, como se extrai das dos seguintes julgados do Conselho de Contribuintes:
Número do Recurso: 144163 Câmara: OITAVA CÂMARA Número do Processo: 13855.001763/2003-10 Tipo do Recurso: DE OFÍCIOMatéria: IRPJ E OUTRO Recorrente: 1ª TURMA/DRJ-RIBEIRÃO PRETO/SPRecorrida/Interessado: MANUFATURAÇÃO DE PRODUTOS PARA ALIMENTAÇÃO ANIMAL PREMIX LTDA.Data da Sessão: 12/09/2005 00:00:00Relator: Luiz Alberto Cava MaceiraDecisão: Acórdão 108-08496
Resultado: NPU - NEGADO PROVIMENTO POR UNANIMIDADETexto da Decisão: Por unanimidade de votos, NEGAR provimento ao recurso de ofício.Ementa:
IRPJ - RECURSO DE OFÍCIO - NEGÓCIO JURÍDICO - SOCIEDADE LIMITADA - DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS - Cabível a distribuição de dividendos aos sócios de sociedade limitada através de cessão de direitos formalizada na Ata de Reunião de Quotistas. O momento da deliberação aos sócios é válido na data de sua realização, não importando a data em que os beneficiados resgatarem os valores a eles transferidos. TRIBUTAÇÃO REFLEXA - CSLL - A tributação reflexa deve ser ajustada na medida das exclusões procedidas em relação à exigência principal do IRPJ.
Recurso de ofício negado. Número do Recurso: 130326 Câmara: SEXTA CÂMARA Número do Processo: 10166.008588/2001-08Tipo do Recurso: VOLUNTÁRIOMatéria: IRPFRecorrente: EDUARDO JORGE CALDAS PEREIRARecorrida/Interessado: DRJ-BRASÍLIA/DFData da Sessão: 13/05/2003 00:00:00Relator: Thaisa Jansen PereiraDecisão: Acórdão 106-13305Resultado:
DPPM - DAR PROVIMENTO PARCIAL POR MAIORIA Texto da Decisão: Por maioria de votos, DAR provimento PARCIAL ao recurso para admitir a distribuição de lucros desproporcionalmente à participação do sócio no capital social. Vencidos os Conselheiros: Thaisa Jansen Pereira (Relatora), Luiz Antônio de Paula e Antônio Augusto Silva Pereira de Carvalho (Suplente convocado). Vencidos, ainda: Romeu Bueno de Camargo e Wilfrido Augusto Marques, que afastavam a multa por falta de informação de pagamentos efetuados; e Wilfrido Augusto Marques, que dava provimento para excluir a cobrança de juros pela taxa SELIC. Por unanimidade de votos, NEGAR provimento quanto à questão da multa e dos juros cobrados isoladamente. Designado o Conselheiro Wilfrido Augusto Marques para redigir o voto vencedor relativo à distribuição de lucros. Declarou-se impedido de participar da votação, o Conselheiro Edison Carlos Fernandes. Defendeu o recorrente, seu advogado, Dr. Marcos Jorge Caldas Pereira, OAB n. 2.475-DF, que renunciou a preliminar de diligência quando de sua sustentação oral.Ementa:
IRPF - SOCIEDADES CIVIS - DISTRIBUIÇÃO DESPROPORCIONAL DE LUCROS - Havendo no contrato social previsão para deliberação dos sócios sobre a distribuição de lucros, é possível fazê-lo desproporcionalmente a participação no capital social, haja vista a ausência de qualquer impedimento legal neste sentido. MULTA POR FALTA DE INFORMAÇÃO - Por força do art. 967, do Regulamento do Imposto de Renda - 1999, a falta de informação de pagamentos efetuados, em conformidade com o que determina o art. 930, do mesmo decreto, enseja a aplicação da multa de 20% sobre o valor não declarado.ACRÉSCIMOS LEGAIS - A multa e os juros aplicados pelo recolhimento do imposto sem os acréscimos legais moratórios são calculados com base no valor do tributo pago em atraso. IRPF - JUROS DE MORA - TAXA SELIC - Os juros de mora têm previsão legal específica de aplicação. Pressupõe-se, portanto, que os princípios constitucionais estão nela contemplados pelo controle a priori da constitucionalidade das leis. Enquanto não for declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, que cuida do controle a posteriori, não pode deixar de ser aplicada se estiver em vigor.Recurso parcialmente provido. Conclui-se, portanto, com esse breve estudo, que não há qualquer impedimento legal na determinação da participação nos lucros de sócio de sociedade limitada não correspondente à participação titularizada do capital social, considerando disposição expressa do art. 1007 do Código Civil de 2002, sendo considerada cessão de direitos para fins fiscais, nos termos do entendimento consolidado no Conselho de Contribuintes, com o destaque de que a prova dessa disposição se dá por meio de Ata de Reunião de Quotistas. Porto Alegre, 22 de maio de 2007. Sandra Sebben Bastos[i] Art. 1008. É nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas.[ii] Art. 981 Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. (CC/2002)[iii] Art. 1007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas.[iv] Coelho, Fábio Ulhoa. A sociedade limitada no novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2003, pg. 29.[v] Arnold Wald, Comentários ao Novo Código Civil Livro II – Do Direito de Empresa, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2005